PACOTE ANTICRIME: CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA PENAL

17/01/2020

Fonte : ConJur
 
 

O projeto de lei n. 6.341/2019, mais conhecido como “pacote anticrime”, tende a promover alterações bastante significativas, ao menos no âmbito normativo, da justiça criminal. Isso, é claro, a depender das etapas subsequentes do respectivo processo legislativo. Mesmo porque é bem provável que certos temas sejam objeto de veto presidencial e, por conseguinte, retornem para deliberação do Congresso Nacional.


Por ora, dentre tantas mudanças programadas, algumas têm incidência, direta ou indireta, no sistema de investigação preliminar processual penal. É o caso, por exemplo, da cadeia de custódia da prova penal, que será objeto de análise nesta coluna, fazendo-se referência às pretendidas modificações no CPP, as quais indicadas a seguir com numeração entre parênteses (sublinhados).


Segundo Geraldo Prado, a cadeia de custódia representa justamente o importante “dispositivo que pretende assegurar a integridade dos elementos probatórios”.1 Trata-se de mecanismo fundamental à regular utilização de uma evidencia em juízo, garantindo-se a respectiva “história cronológica”2 ou “rastreabilidade probatória”3 e, por consequência, a sua autenticidade e confiabilidade. Revela, no fundo, uma preocupação com “o controle da decisão judicial em um Estado democrático de direito” por meio de sistemas de controles epistêmicos.4


A cadeia de custódia foi definida no citado projeto de lei como “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte” (art. 158-A, caput, do CPP).5


Conforme Badaró, embora normalmente relacionada à prova científica e, mais especificamente, à perícia de laboratório, sua aplicação deve ser entendida de forma mais ampla, abarcando qualquer fonte de prova de natureza real. Não se limita, portanto, às coisas “materiais” (ex.: uma faca ou um fragmento de munição). Também necessária a observância da cadeia de custódia em face de “elementos ‘imateriais’ registrados eletronicamente, como o conteúdo de conversas telefônicas, ou de transmissão de e-mail, mensagens de voz, fotografias digitais, filmes armazenados na internet etc”.6


O seu início, em regra, segundo o projeto, decorrerá da preservação do local de crime. Poderá, no entanto, estabelecer-se a partir de outros procedimentos policiais ou periciais de detecção da existência de vestígio (art. 158-A, § 1º, do CPP). Em ambas as hipóteses, no entanto, o agente público que reconhecer um elemento como sendo de interesse potencial à produção da prova pericial ficará responsável por sua preservação (art. 158-A, § 2º, do CPP).


Nesse sentido, importante destacar que o respeito à cadeia de custódia não é atividade exclusiva da perícia; muito pelo contrário, incumbe a todas as agências do sistema de justiça criminal. Abrange todos os “atores responsáveis pela sua preservação, integridade, idoneidade e valoração”, o que se inicia na fase de investigação preliminar porém se estende até o processo criminal7, na medida em que alcança “todo o caminho percorrido pela prova”8.


Assim, “qualquer policial, seja ele civil ou militar, que for receptor de algum objeto material que possa estar relacionado a alguma ocorrência, deve também – já no seu recebimento ou achado – proceder com os cuidados da aplicação da cadeia de custódia. E essas preocupações vão além da polícia e da perícia, estendendo-se aos momentos de trâmites desses objetos da fase do processo criminal, tanto no ministério público quando na própria justiça”.9


Segundo o projeto em questão, o Código passaria a estabelecer as seguintes fases da cadeia de custódia enquanto procedimento de rastreio de vestígios (art. 158-B):



“I – reconhecimento: ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial;


II – isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;


III – fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua posição na área de exames, podendo ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento;


IV – coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido à análise pericial, respeitando suas características e natureza;


V – acondicionamento: procedimento por meio do qual cada vestígio coletado é embalado de forma individualizada, de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para posterior análise, com anotação da data, hora e nome de quem realizou a coleta e o acondicionamento;


VI – transporte: ato de transferir o vestígio de um local para o outro, utilizando as condições adequadas (embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de modo a garantir a manutenção de suas características originais, bem como o controle de sua posse;


VII – recebimento: ato formal de transferência da posse do vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo, informações referentes ao número de procedimento e unidade de polícia judiciária relacionada, local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;


VIII – processamento: exame pericial em si, manipulação do vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas características biológicas, físicas e químicas, a fim de se obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado em laudo produzido por perito;


IX – armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;


X - descarte: procedimento referente à liberação do vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando pertinente, mediante autorização judicial”.



A lei estabelece, de modo expresso, que a coleta de vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, bem como o seu necessário encaminhamento à central de custódia, mesmo quando necessário algum exame complementar (art. 158-C, caput, do CPP).


Frise-se que todos os vestígios coletados, tanto em sede de inquérito policial quanto de processo penal, deverão obrigatoriamente ser remetidos à central de custódia (art. 158-C, § 1º, do CPP), existente necessariamente em cada instituto de criminalística e com gestão vinculada diretamente ao órgão de perícia oficial de natureza criminal (art. 158-E do CPP).


Se não houver espaço ou condições de armazenamento de certo material na central de custódia, incumbirá à autoridade policial ou judiciária determinar as condições de depósito do referido material em local diverso, mediante requerimento do diretor do órgão central de perícia oficial de natureza criminal (art. 158-F, § único, do CPP).


Por óbvio, em cada uma das etapas da cadeia de custódia deverão ser observadas as regras técnicas pertinentes, empregados os materiais necessários à preservação da regularidade do vestígio em questão, bem como adotados os protocolos exigidos de segurança (art. 158-D do CPP).


Em tempo, registre-se a divergência existente na doutrina quanto aos efeitos da quebra da cadeia de custódia (break on the chain of custody) para além das questões atinentes à “boa ou má-fé dos agentes”10 responsáveis. As discussões giram em torno da inadmissibilidade ou da valoração probatória. A primeira corrente sustenta que a violação da cadeia de custódia implica na ilegitimidade (ou ilicitude) da prova, de maneira que não pode ser admitida no processo.11 Segundo Aury Lopes Jr., a consequência “deve ser a proibição de valoração probatória com a consequente exclusão física dela e de toda a derivada”.12 Já a segunda corrente defende que esse tipo de vício deve ser resolvido pela atribuição de “menor valor ao meio de prova” em questão.13


 

 
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