COMO FUNCIONA O JUIZ DE GARANTIAS PELO MUNDO.

15/01/2020

Fonte : UOL
 
 

O juiz de garantias, aprovado coma lei anticrime, não é uma jabuticaba do Brasil. Seu início remontaaos anos 1970, na Alemanha.

A primeira experiência efetiva com a medida foi feita emPortugal, em 1987, afirma o professor de direito penal do Instituto Brasiliensede Direito Público (IDP) e ex-secretário de Cooperação Internacional daProcuradoria Geral da República (PGR) Vladimir Aras. Na América Latina, sóBrasil e Cuba ainda não adotaram o modelo, diz o professor.

Nesta quarta-feira, um grupo de trabalho do CNJ (ConselhoNacional de Justiça) apresentará a conclusão de um estudo para sugerir métodosde implantação do modelo no Brasil. A lei 13.964/2019 entra em vigor em 23 dejaneiro.

A Argentina possui juiz de garantias desde 1991, mas fazisso gradualmente. Até hoje ainda não o colocou em prática em todas as cidades.

O que é ojuiz de garantias

A polêmica medida opôs o presidente JairBolsonaro (sem partido) e o ministro da Justiça, Sergio Moro.Em linhas gerais, o juiz degarantias é aquele que, durante a investigação sigilosa de um crime,vai receber os pedidos de medidas mais invasivas contra os direitosfundamentais de um investigado.

São pedidos da polícia e do Ministério Público para quebraros sigilos de comunicações, como escutas telefônicas, mensagens de celulares,emails, arquivos armazenados em nuvem, e de dados bancários e fiscais, como movimentaçõesfinanceiras e declarações de imposto e de faturamento prestadas à Receita.Também envolvem prisões provisórias, aquelas feitas antes mesmo da abertura deum processo criminal e de uma condenação.

Quando a acusação criminal é apresentada à Justiça, essejuiz sai de cena. De país para país, duas coisas diferem nesse aspecto.

A primeira é até quando o juiz atua. A nova lei do Brasilimita o modelo de Portugal: o juiz de garantias recebe ou rejeita a denúnciaantes de "passar a bola" para o outro magistrado. Em outros países,são os novos magistrados que analisam a denúncia.

A outra diferença é quem recebe "o passe" depois.No Brasil, um novo juiz tomará conta do processo. Mas na Alemanha e naArgentina é comum que uma turma de três magistrados cuide do processo.

"Como a Alemanha tem um sistema judicial e decompetência diferente do Brasil, normalmente uma câmara de magistradossentencia o processo", afirma o advogado Luís Henrique Machado, que fezdoutorado naquele país.

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, um júri formado porcidadãos comuns e presidido por um juiz de carreira é que analisa a denúncia.

Medida acabacom juiz herói "Marvel", diz desembargador

Apoiadores dojuiz de garantias veem o modelo como modo de assegurar que oinvestigado tenha um julgamento feito por um juiz o mais imparcial possível. Quem é contraafirma que haverá aumento de custo com o Judiciário e falta de pessoal paraaplicar a nova regra, que deve entrar em vigor em poucos dias. Além disso,críticos do modelo dizem ele podeatrapalhar a Lei da Maria da Penha

"É intuitivo que a falta de contato prévio com aformação da prova e da justa causa propicia ao juiz que julgará o méritocondições de se desinvestir dos resultados processuais até entãoalcançados", escreveu em artigo o ex-procurador da Operação Lava Jato MarceloMiller, ao defender o juiz de garantias.

O desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da1ª Região, diz que sai a figura do juiz herói "Marvel".

É a perda de impacto do juiz Marvel -- do nosso Capitão Américade toga -- que permite reações exageradas contra a medida dogmaticamenteacertada e procedimentalmente correta
Ney Bello, desembargador do TRF-1

Bello atua como magistrado criminal e é responsável porrelatar vários casos da Lava Jato, como as prisões dos ex-presidentes da CâmaraEduardo Cunha e Henrique Alves, ambos do MDB.

Vladimir Aras, que também atuou na Lava Jato, a maiorinvestigação anticorrupção do país, também defende a medida. Segundo ele,trata-se de uma tendência mundial, que visa assegurar a imparcialidade dojulgador. O professor é autor de um estudo no qual compara o funcionamento dosistema pelo mundo.

Aras, porém, afirma que a lei é imperfeita por nãoesclarecer como será aplicada em tão pouco tempo e em relação a situaçõesespeciais, como violência contra mulher, tribunal do júri e Justiça Eleitoral.

Para o advogado Max Telesca, a lei vai acabar com a"inexorável contaminação do diálogo privilegiado entre juiz, MinistérioPúblico e polícia".

"O juiz de garantias também será uma barreira aosexcessos invasivos que hoje se verificam na prática, como prisões preventivasdesnecessárias que podem ser substituídas por outras medidas cautelares",afirma Telesca.

Juiz de garantiaatrapalha Lei Maria da Penha, diz AMB

A Associação dos Magistrados Brasileiros é uma das entidades queforam ao STF (SupremoTribunal Federal) ajuizar uma ação contra o juiz de garantias. Ocaso está com o presidente do tribunal, ministro Dias Toffoli.Como presidente do CNJ, hoje Toffoli recebe o estudo do grupo de trabalho doconselho sobre o tema.

Para a AMB, o juiz de garantias vai atrapalhar a Lei Mariada Penha porque essa regra permitiu que o próprio magistrado tomasse medidasemergenciais de segurança em benefício de mulheres vítimas de violência. Essasmedidas, como proibir o marido suspeito de agredir a mulher de se aproximardela, podem ser feitas mesmo sem pedido da vítima, da polícia ou da Promotoria.

Mas a nova lei "veda a iniciativa do juiz na fase deinvestigação", destaca a entidade, que é presidida pela juíza Renata GilVideira.

Vislumbra-se um alarmante retrocesso da legislaçãobrasileira quanto à conquista histórica em termos de coibição e prevenção daviolência doméstica e familiar contra a mulher no país
Renata Gil Videira, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros

O procurador Hélio Telho, do Ministério Público Federal emGoiás, afirma que a lei tem erros já apontados ao presidente Bolsonaro antes deele decidir sancionar a rega. Para o investigador, a redação da lei não impedeque o juiz de garantias atue na fase do processo simplesmente porque escreveramerroneamente o número dos artigos que tratam dessa suposta proibição.

Juiz degarantia só serve para Europa, diz professor

Professor de direito da UFRGS (Universidade Federal do RioGrande do Sul), o promotor Mauro Andrade afirma que incluir o juiz de garantiasno Brasil é uma "aberração".

Ele fez um estudo sobre o Tribunal Europeu dos Direitos doHomem e concluiu que o modelo de magistrado que atua apenas na fase deinvestigação só se justifica na Europa porque lá os julgadores analisam asprovas trazidas pela polícia com mais profundidade antes de conceder uma buscaapreensão ou uma quebra de sigilo.

Segundo Andrade, no Brasil, basta um "indíciosuficiente" para um juiz decretar uma busca. A lei de Portugal, porexemplo, exige que haja "graves indícios". "É que se encaixa naexigência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para afastamento do juiz queatuou na fase de investigação, impedindo-o de atuar também na faseprocessual", disse. Essa análise mais profunda contamina o juiz, algo que,para ele, não existe no nosso país.

Nós importamos uma solução para um problema que nós nãotemos
Mauro Fonseca Andrade, professor da UFRGS

Lá fora éassim

Argentina

O "juez de las garantías" começou a serimplantando em 1991 na Argentina, um caminho gradual que não foi concluídoainda. Nos lugares em que já existe essa figura, o magistrado recebe os pedidosdos promotores do Ministério Público, os chamados "fiscales". Sãopedidos de prisões provisórias, buscas e apreensões e quebras de sigilo decomunicações e de dados bancários e fiscais. O juiz pode autorizar ou negar.

Quando a investigação termina, e o os promotores enviam umadenúncia à Justiça, aquele juiz não participa do processo. Outros é que vãojulgar se recebem a acusação. Dependendo do caso, pode ser um juiz sozinho, umaturma com três magistrados ou um júri misto, com juízes de formação e pessoasda comunidade. Se a acusação for aceita, o processo criminal começa. Essesnovos juízes é que vão decidir a sentença final, para absolver ou condenar oréu.

Portugal

Em Portugal, a figura do juiz de garantias foi criada em 1987.A lei portuguesa diz que as medidas mais invasivas da investigação — prisõesprovisórias, busca e apreensão, quebras de sigilo de comunicações e de dadosbancários e fiscais — só serão autorizadas se houver "gravesindícios" de prática de crime cometido intencionalmente. O juiz que atuanessa fase de investigação também será o responsável pelo recebimento daacusação, assim como acontece no Brasil. Se ele receber a denúncia, o casopassará para outro magistrado.

Alemanha

As primeiras ideias sobre juiz de garantia no mundo surgiramna Alemanha, nos anos 1970. Lá, esse magistrado é chamado de juiz deinvestigação ou "Ermittlungsrichter", em alemão. Ele decide sobrequestões como busca e apreensão, interceptação telefônica, oitiva de testemunhase prisões antes do início da ação penal. Normalmente, uma câmara de magistradosé que sentencia o processo.

O então juiz federal Sergio Moro participa de debate sobre olegado da Operação Mãos Limpas, na Itália (Mani Pulite, em italiano)

A Itália tem juiz de garantias desde 1988. Toda a OperaçãoMãos Limpas, que é considerada um exemplo e inspiração para Moro, ex-juiz da Lava Jato, foi realizada comesse modelo de atuação.

O chamado "juiz de investigações preliminares"recebe os pedidos de prisões, buscas e quebras. Quando a denúncia chega, ela éanalisada por uma turma com três magistrados.

EUA

A legislação penal norte-americana varia em cada estado. Node Nova York, por exemplo, há uma espécie de juiz de garantias. Quando opromotor do Ministério Público precisa pedir uma busca e apreensão por exemplo,ele solicita ao grande júri, que é presidido por um juiz, mas cuja decisão cabea 23 pessoas da comunidade.

Terminada a investigação, a Promotoria oferece a denúncia.Novamente, quem vai receber ou rejeitá-la é outro colegiado, um júri de 12pessoas diferentes presidido pelo juiz "profissional" da Vara.Recebida a denúncia, o processo começa. O investigado pode pedir que o júriseja dispensado e apenas o juiz analise sua acusação.

Reino Unido

Na Inglaterra, as investigações são conduzidas pela polícia.Ela faz ao juiz os pedidos de buscas, prisões e quebras. Terminada ainvestigação, a polícia entrega seu relatório ao CPS ("Crown ProsecutionService"), espécie de Ministério Público, que faz a acusação diante dojuiz. Mas quem vai receber a denúncia é um júri de 12 pessoas. Se for naEscócia, serão 6 pessoas. Como nos EUA, o investigado pode dispensar o júri epedir o julgamento apenas por um juiz de carreira.


 
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